Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

NAUFRÁGIO DA BARCA CAROLINE EM 1901

Autor: Francisco Medeiros
O Jornal Ilha Maior de 15 de Outubro do corrente ano, notícia o avistamento de destroços da barca “Caroline”, no sítio da Meia Broa, nos baixios entre a Ponta do Areeiro e a pedra do comprido próximo da Ponta da Areia Larga, na Ilha do Pico Arquipélago doa Açores.

Esta notícia recordou-me uma conversa que tive com Amílcar Quaresma (1) já há alguns anos. Disse-lhe na altura que tinha na minha posse uma pequena tigela, em porcelana, que meu avô tinha recolhido da barca Caroline.

Ele pediu-me que lhe arranjasse uma foto da mesma, pois era sua vontade fotografar e recolher todos os salvados que existissem, para fazer parte de um hipotético museu ligado às coisas do mar - Museu do Mar, a instalar no Concelho da Madalena. A ideia foi-se com ele…?

Uma outra peça que julgo de algum valor e que encontrei na casa onde viveu meu Avô e mais tarde meu tio Alberto, foi uma tela onde estava desenhada a barca Caroline. Não sei como lhe foi parar às mãos, devia estar na camarinha do Capitão da barca e assim sendo, é possível que lhe tivesse sido oferecida pelo socorro aos sobreviventes. Na altura meu avô apreciaria mais uns cabos para o barco de que uma tela!


Foto histórica da Caroline encalhada na Meia Broa
 Meu avô, os irmãos e os primos, conhecidos pelos Chatinhas da Areia Larga, foram daqueles que, entre outros, com as suas embarcações ajudaram a salvar os 36 tripulantes da barca Carolina, naquela fatídica noite de 3 de Setembro de 1901.

Este naufrágio deu origem a que se iniciasse a construção do Farolim da Areia Larga, que entrou em funcionamento em 1905. Durante 74 longos anos aquele farolim manteve-se aceso, acabando por ser desactivado apenas em 1979, após a construção do farolim da cabeça do molhe de abrigo ao Porto da Madalena. Dado o actual estado de conservação, é uma boa altura para se pensar em preservar, pelo menos a base daquele farolim, que está associado e é um marco histórico daquele naufrágio.


Há dois anos, por ocasião das Festas Maiores do Concelho da Madalena, vi uma exposição de fotografias antigas de homens e barcos, relacionadas com a actividade marítima no canal e de toda a fronteira. Pudemos constatar o grande interesse que a mesma suscitou entre os visitantes.

Será que poderíamos ter uma sala com uma exposição fotográfica permanente como aquela, mas complementada com palamenta dos barcos e das lanchas do Pico, da pesca Industrial e artesanal e de todos aqueles que por esses mares dentro procuraram o seu sustento? E porque não um espaço onde se projectasse toda essa actividade em movimento? Será que ainda vamos a tempo?

O turista que vem de avião pela capital do distrito, quando nos visitam para conhecer a Ilha, dariam um pequeno passeio ao centro da Vila da Madalena, para desentorpecer as pernas da viagem do canal e, em poucos minutos, pela imagem podiam ver e fazer uma ideia do que foi a vivência dos que nos antecederam e a sua forma de ser.


Tigela da Barca Caroline

O Museu das Flores conseguiu recolher muitas peças do navio de passageiros “Slavonia”, que encalhou na baixa rasa da costa do Lajedo, com 597 pessoas a bordo, 225 tripulante e 372 passageiros, às primeiras horas do dia 10 de Junho de 1909. A torre do farol das Lajes das Flores, já construído, que dominaria aquela zona, na altura ainda não tinha montada a lanterna para entrar em funcionamento. Esta lanterna só chegou aos Açores uma semana depois do naufrágio, trazida pelo então capitão-de-mar-guerra Schult Xavier, nome que, mais tarde, foi dado ao navio de balizagem ao serviço de faróis.

O Naufrágio da barca Caroline deveu-se a erro de aproximação, julgando o Capitão estar a aproximar-se da Ilha do Faial, cujo farol da Ponta dos Capelinhos, em construção, só viria a estar activo em 1 de Agosto de 1903. No tempo, o partido da oposição ao governo atribuía aquele desastre ao desleixo no atraso da colocação da lanterna no farol. A instalação de faróis e farolins no Arquipélago do Açores não acompanhou a evolução e o aumento de navios de pesca, de carga e de passageiros, nas rotas dos Açores e entre o Ocidente e o Oriente.

A crise económica e de governabilidade, até à Republica em 1910, terá concorrido para esse atraso. Há um século como hoje!

Amílcar Quaresma deixou uma obra que hoje é uma preciosidade para consulta obrigatória para quantos continuam a gostar de saber das coisas do mar e da memória da nossa cultura. Cultura de um povo que se fixou numa zona difícil de sobreviver, que construiu os maiores monumentos da Ilha, os maroiços, para arrotear pequenas belgas onde pudesse colher o mínimo indispensável à sua sobrevivência. Gente que tinha no mar e no canal a sua Terra.
(1) Amílcar Quaresma –Filho de João Quaresma que foi gerente das Lanchas do Pico.
Francisco Medeiros