Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

RELATO DE UMA CAÇADA Á BALEIA . HÁ SEMPRE UMA PRIMEIRA VEZ!





Autor: Francisco Medeiros
Depois de terminar a II Guerra Mundial, em 1945, as actividades do porto da Horta foram diminuindo, e em consequência diminuindo a procura de mão obra.
O comercio Faialense, ficou quase paralisado em consequência da falta de trabalho na classe operária. As obras públicas , mantiveram-se quase inalteráveis, na admissão de trabalhadores, mas passaram a admitir os mais qualificados. Com a saída da base naval Inglesa e a retirada do serviço de barragem do Comando de Defesa Marítima do Porto da Horta, fecharam muitos estabelecimentos comerciais.
A vitalização do Porto da Horta.
No final da década de 40 e anos 50 até à machadada do Vulcão do Capelinhos em 1957 do século passado, era difícil conseguir trabalho. Os jovens desempregados que não tinham qualquer qualificação atiravam-se a tudo o que aparecia. Os que possuíam cédula marítima, trabalhavam no fornecimento de carvão a navios, ou na estiva de cargas e descargas de mercadorias, nas pescas ou na caça à baleia.
Na caça à baleia era difícil conseguir um lugar, para quem não era filho nem parente de baleeiro, porque as companhias estavam completas embora só estivessem matriculados, o oficial e o trancador. Na época baixa, que ia de Outubro a Maio, os baleeiros abandonavam tudo, para ir à baleia, mas com a falta de trabalho os patrões e encarregados não eram muito atreitos a dispensá-los para irem à baleia, razão porque muitos para manter o trabalho, ouviam o estralejar do foguete dar sinal de baleia, mas ficavam-se pelo trabalho, pois o dinheiro fazia falta. Ia à baleia quem chegava primeiro e se agarrava à bancada do bote.
O Andrade ainda jovem, residente ali para o lados das Angústias, redondezas de Porto Pim, era daqueles que faltava à escola, quando aparecia baleia, para ver as canoas saírem de Porto Pim, em autenticas regatas a remos, ou à vela, se o vento estava de feição. A rapaziada tomava partido por este ou aquele oficial, para ver quem chegaria primeiro à saída da ponta Oeste do Monte de Guia, por entre esta e a Pedra Alagada, como se dum desporto se tratasse. Depois dali, lá seguia com outros, até à vigia subindo o Atalho de Bacalhau, para no Cabeço das Garças, onde se situava a vigia, que fica a oeste da Ermida da Senhora da Guia, ver a actividade baleeira. Auxiliavam, o vigia a fazer fumos ou a manejar o pano de sinais, sempre na esperança que aquele cedesse por curtos momentos o binóculo para vigiarem as baleias, como compensação da ajuda prestada.
Já moço com cédula marítima, e com 16 anos, era daqueles que como outros deitava a mão a todo o trabalho que aparecia, mas quando não havia que fazer, quando ouvia o sinal de baleia corria para o areal de Porto Pim, ajudava a arrear os botes, na esperança de algum dia na faltar de qualquer tripulante poder concretizar um sonho que há muito o acompanhava.
A mãe, que sabia da sua vontade, já tinha manifestado o seu desagrado por saber o perigo que o filho corria, mesmo assim s
em nada lhe dizer preparava-lhe alguma comida que ficava de véspera junto a uma bolsa de retalhos. O pai, homem do mar e descendente de uma família de pescadores, não se importava e, já tinha trocado algumas palavras com um seu vizinho baleeiro, acerca da ida do filho à baleia.
O Andrade metia a c
omida na bolsa, que escondida debaixo da soera ou da froca, não fossem os outros ver e depois rirem-se dele, por não ter conseguido lugar.
Chegou o
dia, ainda a última bomba do foguete não tinha rebentado e já ele saia porta fora, a caminho de Porto Pim. Foi dos primeiros a chegar e, teve conhecimento de que estava um navio na baia da Horta à descarga, por isso, era possível conseguir um lugar.
O Andrade chegou-se para o bote, N. S. das Angústias, da Companhia Baleeira Faialense, de que era oficial o mestre António Ferreira mais conhecido pela alcunha Caneca, que tinha como trancador o José Cardoso Pinheiro, seu vizinho, a quem já manifestara vontade de ir à baleia.
Ajudou a recolher o pano
que estava a enxugar e, a preparar o bote para arrear até chegarem os outros reparando que faltava um tripulante.
Agarrou-s
e a um dos bancos e ajudou a arrear o bote até à beira d’água. e viu aproximar-se o tripulante faltoso e este entrar para o bote mas também ouviu a vós do oficial dizer:
- Ó B...salta p’ra fora !

E ouviu o Mestre António dizer-lhe:
- É rapaz salta, vem
aqui p’ró o remo da boga .(voga- remo que fica junto ao oficial a contar da popa).
O seu contentamento não tinha explicação. Já conhecia os nomes de todas as peças fixas e moveis de um bote baleeiro, por frequentar a casa dos botes, de forma que foi fácil a sua adaptação.
Era um ca
rdume da baleias fora da Feteira que tinha sido avistado do Monte da Guia. O vento era fraco não dava de vela, de forma que, foram remando até quase fora da Feteira, as baleias foram sempre a caminho do Oeste. Ali a lancha que tinha recebido sinal do vigia pegou no bote. Passaram Morro de Castelo Branco e já fora dos Capelinhos, as baleias foram avistadas da lancha.
Largaram a lancha
que se afastou para ira rebocar outros botes e como o vento tinha aumentado como o Sol p’ra cima, fizeram de vela e lá foram pelo mar fora até que o cardume foi avistado. As baleias tinham saído, pegaram nas pás para dar mais velocidade ao bote. Cabe aqui referir que o José Cardoso, com o seu entusiasmo e homem forte como era, a água da sua pá quase que varria as dos outros.
- Padeja duro, dizia mestre António !
As baleias meteram-se novamente, pois estavam ainda distantes. Pararam de padejar. O vento era bom
. Foram andando p’ra fora.
É uma sensação fantástica andar à vela num bote baleeiro ouve-se o marulhar à proa o resto é só silêncio. Com a velocidade do bote, vê-se por vezes o mar subir na borda do lado de sotavento às vezes mais de um palmo, sem entrar um pingo de água.
Dali a pouco diz o mestre António:
- Ó rapazes, cada cabelo um olho, as baleias estão a sair !
Dali a pouco
, as baleias saíram mesmo pertinho, o bote arribou direito a elas, e diz o mestre António:
- Peguem nas pás, não quero que toquem no bote, nem ouvir barulho nenhum
, muita atenção quando eu mandar arrear o pano.
O José Cardos
o em pé à proa prepara o arpão. Vão se aproximando, rapidamente, o cardume era de sete baleias, o bote tinha entrado por trás e pelo meio delas.
- Arria o pano,
diz mestre António.
Uma das baleias tinha sido trancada.
Ouve-se mestre António dizer:

- Água na linha.
Apanharam o pano, e prepararam-se para arrear o mastro, logo
de seguida.

A baleia foi por aquele mar abaixo levou mais de uma celha de linha.
- A Baleia está p’rá terra, aqui direita ao Faial, diz e o José Cardoso.
- Vocês armem os remos todos.
Foram rema
ndo, remando sem puxar a linha e, o José Cardoso preparou-se com a lança.
A baleia saiu bem perto do bote, não aparecia mais baleia nenhuma. Levou duas lançadas e começou a bufar sangue grosso. O bote foi mais adiante, a baleia levou outra lançada e meteu-se por aquele mar abaixo.
Começaram a puxar a linha e a certa altura, parecia que a linha estava presa ao fundo, eram 6 homens a puxar e ás vezes era preciso gritar para controlar a força e puxar à uma, enquanto mestre António ia emendando a linha em volta do lagaiéte (cabeço de madeira dura colocado no leito da popa).
Foram puxando pela linha, levou bastante tempo, quando a baleia chegou à superfície já estava morta mas não flutuava, só depois é que ficou suspensa na água. Mestre António, foi à proa fez-lhe um furo na cauda com uma es
pelha (spade, instrumento cortante ) e passou-lhe um estropo (cabo grosso com duas alças) para o reboque.
Depois cansado
s, cada um puxou da sua bolsa, sentaram-se no meio do bote, puseram em cima da caixa tudo o que trouxeram de casa à disposição dos outros, e cada um foi tirando, comendo e bebendo água doce do “queique”(barrilete de água ). Queria aqui referir, que nesse dia mestre António Ferreira, trazia no seu cabaz, um bolo doce já partido, que dividiu em sete bocados e deu um a cada um. Naquele tempo pensei em fazer a pergunta, porquê bolo doce ? Mas, nunca o soube!
O Vento era L
este e como se costuma dizer, vem a vai com o Sol, para a tarde tinha acalmado. Ficaram para ali, com a baleia presa ao bote, naquele silencio só quebrado por alguma palavra. A tarde já ia alta, a Ilha do Pico parecia um pequeno triângulo e às vezes nem aparecia, e do Faial só avistavam dois pequenos cabeços.
O Bote devia estar mais de 40 milhas a Sudoeste dos Capelinhos.
O Sol ia descendo para o horizonte, quando começou a aparecer o fumo de uma embarcação, o som de um motor, e depois a própria embarcação. Era o “Cachalote”, das Armações Baleeiras do Cais do Pico, tripulado pelo Mestre Cristiano Garcia da Rosa, tendo como maquinista Manuel Guilherme Garcia, residentes em São Roque do Pico, tinha mais um tripulante que era da Prainha do Norte.
Além do Mestre António Ferreira, e o José Cardoso o Andrade era o mais novo, com 17 anos. Os restantes tripulantes do bote, eram, o Manuel Gonçalves Valadão, conhecido pela alcunha de Gaiola, que chegou a andar co
m a carrocinha do Gilberto das lanchas quando este não ia ao Faial. O João Inácio de Serpa, conhecido por João Pão Quente, natural da Prainha do Norte do Pico, cunhado do José Cardoso que, quando este passou a oficial, foi seu trancador, o Fernandes Silveira Leal, conhecido por Fernando do José da Luisa, que jogou ao futebol no Atlético e o Francisco Elias da Candelária do Pico, que foi mestre da lancha da baleia “Liliana”. Todos residentes na freguesia das Angústias.
A baleia foi rebocada para a Fábrica de Porto Pim onde chegou por volta das 3 horas da madrugada.
São passados 61 anos! O Bote N.S. da Angústias é o único que resistiu e não abandonou o Faial, de vez em quando ainda mostra que é a mais belas embarcação que há no mund
o!
Dos baleeiros aqui referidos, o Mestre António Ferreira; O José Cardoso Pinheiro, O João Inácio de Serpa e o Fernandes Silveira Leal emigraram para os EUA, após o Vulcão dos Capelinhos. O Manuel Gonçalves Valadão ficou-se pelo Faial.
Ainda estão vivos o Fernandes Silveira Leal com 83 anos e reside na Florida, e o Andrade com 78 anos, reside no Cais do Pico, Ilha do Pico.
Nota: Tudo o que está aqui relatado é verdadeiro.
Vila de S .Roque do Pico/Setembro 2009

Francisco Andrade de Medeiros
xatinha@sapo.pt
(publicado no nº.3 do Jornal “Triangulo”)



Trecho de filme "Quando o Mar Galgou a Terra" de António Campos, que documenta a caça à baleia nos mares dos Açores.




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O TRIANGULO CAIS DO PICO. VELAS . CALHETA E OS ANOS DE FOME


Autor: Francisco Medeiros
Foram muitas as calamidades, provocadas por vulcões, terremotos, inundações, enchentes e tempestades que assolavam tudo, destruindo habitações, culturas agrícolas e obrigaram muitas famílias a abandonarem a ilha.
Os chamados anos da fome, que atingiram ao longo dos anos muitas ilhas do Arquipélago, até às primeiras décadas do século passado, obrigaram as populações, a imigrar para a ilha mais próxima e de fácil acesso. Há mesmo noticia de ter havido quem morresse à fome.
Este recurso nem sempre foi possível atende
r as necessidades das ilhas vizinhas quando sofriam das mesmas calamidades.
Sucede, que das Ilhas do triângulo, foi a Ilha do Pico, especialmente a fronteira, que mais sofreu, com a carência de milho
por causa da natureza dos seus terrenos de origem vulcânica, mais próprios para plantação de vinha. Os Picarotos negociavam na Ilha do Faial, a compra de milho em maçaroca, nos próprios terrenos de produção. Procedia-se à sua apanha e posteriormente era transportado nos barcos do Pico . Quando o milho chegava ao Pico era muitas vezes descarregado junto à casa dos seus proprietários e todos os vizinhos ajudavam nas desfolhadas, pela noite dentro, iluminados com luzes de incandescência a petróleo. Outros compravam-no, já em grão e muitos outros, especialmente os pescadores, percorriam a Ilha do Faial a pé, em toda a volta, com peixe seco, que trocavam por milho. Uma das últimas calamidades ocorreu com o ciclone tropical, que atingiu o Grupo Central dos Açores, em 24 de Agosto de 1857, provocando a destruição total dos milharais, então a principal produção alimentar das ilhas de São Jorge e Faial, que resultou na penúria generalizada, às três Ilhas do Triângulo.
Esta penúria manifestada pela fome, com as suas cores negras, manteve-se pelos maus anos agrícolas seguintes, com uma crise alimentar que predominou até final do ano de 1859. Foi preciso recorrer a subscrições públicas, incluindo uma nos EUA, organizada pela família Dabney, residente na Ilha do Faial, para evitar que se
morresse à fome.
Estes acontecimentos calamitosos, fizerem com que o Príncipe D. Luís visitasse a Ilha do Faial no Outono de 1858.

Os Dabney foram uma ajuda muito importante, durante ao anos que permaneceram no Faial de 1808 a 1892, suprindo muitas carências de milho e trigo que importavam directamente dos EUA.
A mais recente época de fome conhecida no Pico, data dos anos vinte, do século passado, em que um grupo de picarotos sob a iniciativa de Manuel Inácio Nunes, construtor naval na Califórnia, natural da freguesia de Santo Amaro, recolheram fundos e enviaram para esta Ilha em 1923, cerca de uma centena de sacos de milho, que foram distribuídos pelos mais pobres das freguesias da banda do norte do Pico.
Toda estas crises de trigo e milho, principal alimento das populações, originaram, proibição de saída daquele cereal de algumas ilhas para outras. As Câmaras de Velas e Calheta lançaram anúncios públicos, para que ninguém embarcasse para fora do concelho, sem licença, milho e trigo.
Tal proibição originou a troca de correspondência entre as Câmaras Velas e São Roque, na qual esta
se queixava, das Velas, não deixar sair cereais para este concelho, visto existirem naquele Ilha, grãos em abundância. Numa carta datada de 21 de Abril de 1678, a Câmara de S. Roque, queixava-se dizendo que: "até ao presente data, do que havia na Ilha do Pico, não se fazia nenhum impedimento de saída para aquela ilha (São Jorge) de tudo o que produzia, e que o que daquela importava era devidamente pago". A Câmara de Velas, desculpando-se, em carta dizia que pretendia “controlar a saída qualquer cereal em virtude dos mesmos não serem muito abundantes, pois poderiam fazer falta, e não ser justo a saída os mantimentos". Acrescentando: - “Estejam Vossas Mercês certos que, como bons vizinhos, não faltaremos em o que a justiça der lugar.”
Esta proibição de c
irculação de mercadorias entre as Ilhas do Arquipélago manteve-se por muitos anos.
Só os Barcos do Pico dos portos da fronteira, Calhau, Madalena e Areia Larga estavam isentos de guia de circulação de mercadorias.
Esta imposições originaram um intercâmbio de mercadorias entre portos e portinhos, onde não existiam postos fiscais ao longo da costa Norte do Pico e os da Ilha de São Jorge, sendo as mercadorias transportadas em embarcações de pesca, ao tempo, só à vela ou a remos e durante a noite, quando o tempo lhes dava segurança.
Outra situação que se verificou ao longo dos anos e segundo versão de antigos pescadores, pelo po
rtinho da Furna da Freguesia de Santo António e outros desta banda do Norte do Pico, teriam saído, centenas barris de aguardente, para aquela Ilha.
A proibição da circulação de aguardente, acabou nos anos setenta, com a abolição dos monopólios da venda de álcool.
A circulação de todas as mercadorias em barcos de cabotagem, entre estas duas Ilhas São Jorge e Pico, e bem assim em toda a Região, durante muitos anos estiveram sujeitas a despacho de cabotagem, exigência que só terminou em 1970.
No Cais do Pico, ha
via barcos de boca aberta a motor e à vela que faziam cabotagem quando havia mercadorias ou passageiros a transportar a partir Cais do Pico, para os porto da Horta e os portos da costa de São Jorge, onde era possível acostar, transportando mercadorias e alguns passageiros. Faziam triângulo Cais, Calheta, Velas e alguns portinhos intermédios.
Voltando à proibição da saída de cereais de São Jorge para o Pico, certo dia ao chegar ao porto da Calheta, o mestre de um dos barcos, foi abordado por um sujeito que pretendia embarcar para o Pico, 4 sacas com milho. Naquele tempo era livre a saída de milho do Pico.
O mestre disse-lhe qu
e sim mas, que tivesse o cuidado de colocar os sacos sobre o cais, com rotulo destinado às Velas mas, sem o guarda fiscal ver, que depois tratava do resto.
Como era uso, o mestre lá foi ao posto fiscal desembaraçar o barco e, como era de praxe, o Guarda Fiscal acompanhava o mestre até ao Cais.
Ao chegar ali e vendo os sacos sobre o cais, disse em voz alta para os tripulantes:
- Quem é que mandou descarregar estas sacas ?.
Um dos tripulantes conhecendo bem o seu mestre, já sabia do que se passava, respondeu-lhe:
- Home, a gente parecia-se qu`eram p’rà qui !
- Não viram que o rotulo diz qu’é p’ràs Velas ?
- Metam já isso ai p’ra dentro !.
E os sacos lá embarcaram com o Guarda Fiscal a assistir !
E lá vieram para o Pico .
Junho 2009


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