Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Lenda de um Baleeiro da Ilha do Pico

Do Facebook de Feliciano das Neves
A Lenda de um Baleeiro da Ilha do Pico é uma tradição da ilha do Pico, no arquipélago dos Açores, que fala da coragem do que é ser-se baleeiro, e dos perigos que se corria para ganhar o pão nosso de cada dia.
A lenda passa-se há muito tempo, numa manhã ensolarada na localidade de São João do Pico, logo depois do raiar da aurora. O sol levantava-se para os lados das Lajes do Pico e a cor verde dos vinhedos e dos milheirais destacava-se por entre o negro das pedras queimadas dos vulcões.
Os homens dirigiam-se para as suas terras para a jornada do dia, para sachar o milho, bater tremoço, apanhar batatas ou cuidar das das uvas. Nas suas cozinhas, as mulheres preparavam o almoço que naqueles tempos era quase sempre composto por sopas de bolo, papas de milho ou batata com peixe.
Subitamente soou alarme de baleia à vista. Algures numa das vigias de baleia estrategicamente colocadas ao longo da costa foram disparados foguetes. Os homens largaram o que faziam. Os sachos caíram para o chão, os alviões ficaram enfiados na terra nos locais onde estavam. As burras de milho foram abandonadas com as canas por amarrar. Os animais foram presos a um galho de árvore próximo e os homens correram para os cais. As mulheres em casa prepararam uma merenda apressada e também elas correram para o cais a levar ao comida aos maridos numa saca de retalhos de pano antes de eles partirem para o mar.
Os primeiros a chegar arriaram os botes baleeiros, pondo-os na água, e partiram assim que tinham a tripulação completa. No cais, as mulheres ficaram a chorar sem saber se na luta entre o homem e o grande animal alguém morreria, como frequentemente acontecia.
Depois de algumas milhas de navegação à vela com o vento a favor, avistaram a baleia ali próxima. Era uma grande baleia adulta, um espermacete com mais de cem barris de óleo segundo os cálculos, o que seria uma fortuna. Logo se gerou com grande reboliço nos botes, uma baleia daquele porte não se via todos os dias. Representava não só a comida ganha para muitos dias, mas também um prazer para os homens que estavam habituados ao mar e à batalha desta pesca.
As velas foram arreadas e os homens começaram a remar para se aproximarem da baleia, que resfolgava, soltava esguichos de respingos no ar, mergulhava para voltar a aparecer metros mais á frente. No bote que primeiro se conseguiu pôr em posição, o arpoador curvara-se para a frente, fixara o olhar na baleia e acertara o arpão.
Ferida, a baleia acelerou o seu nadar, afastando-se do bote e levando no dorso o arpão amarrado a uma corda forte, que se ia desenrolando de uma selha no fundo do bote. A corda não teve comprimento suficiente e foi amarrada a uma segunda corda, numa segunda selha, até que não havia mais cordas. O trancador pegou na parte da corda que ainda estava na celha e antes que ela acabasse, amarrou-a à sua cintura. Assim, foi arrancado do bote e levado pelo mar, puxado pela baleia que nadava para o desconhecido, sem que alguém tivesse tempo de intervir.
Vigia nos Capelinhos - Faial
Podendo contar apenas com velas e remos para navegar, os botes não tinham velocidade para perseguir o animal, mas deram inicio a uma busca provavelmente fútil. Ao chegar da noite tiveram que rumar para terra, abandonando o trancador. A família deste vestiu-se de luto e as mulheres choraram e carpiram de dor durante toda noite.
Quando a manhã do dia seguinte nasceu, saíram novamente botes para o mar numa procura por muitos considerada vã, mas que era necessário, mais que não fosse se não por descargo de consciência. Era uma tentativa de encontrar o corpo do trancador para lhe ser dado um enterro digno.
Depois de muitas milhas de afastamento da costa, avistaram na linha do horizonte, que no mar é sempre baixo, uma mancha negra, e estranhando o fenómeno rumaram para lá. Ao chegarem encontraram uma grande baleia já morta a flutuar e em cima dela, de pé, o trancador, encostado ao cabo do arpão.
Perfeitamente bem, disse: "Agora é que vocês chegam? Tenho estado aqui toda a noite à espera!". Fumava um grosso cigarro, embrulhado em casca de milho, como se estivesse sentado a uma mesa. Reza a lenda que ele nunca disse o que se passou nem onde foi buscar o cigarro de folha de milho nem o lume com que o acendeu.


terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mestre Simão: nome de uma das novas lanchas da Atlânticoline

Por Francisco Medeiros
Podem contar-se por centenas os Mestres dos barcos de boca aberta e das lanchas que, de todos os portos do Pico, com carga e passageiros, atravessaram o canal de e para o Porto da Horta.
Alguns em barcos de maior porte só à vela navegaram para todas ilhas do Arquipélago, dispondo apenas de aparelhos bastante rudimentares de navegação e sem meios de comunicação. A prática adquirida durante muitos anos fez deles grandes navegadores, alcançando grande prestígio entre a classe e a população.
Manuel Alves
Há 54 anos Mestre Simão era mestre das lanchas da Empresa das Lanchas do Pico, Lda. Cruzou o Canal Pico-Faial centenas de vezes, algumas com tempo menos bom, com manobras difíceis e perigosas, que punham à prova a sua alta perícia na entrada dos portos da Fronteira, incluindo os portos de São Mateus e Prainha do Galeão. Fez ainda muitas viagens em regime de fretamento para os Portos do Grupo Central dos Açores.
Mestre Simão foi um dos grandes da comunidade do Canal. Cumpriu com os seus deveres profissionais sem nunca ter recusado efetuar qualquer viagem, por vezes durante a noite, a pedidos de socorro para transportar doentes, alguns em perigo de vida para o Hospital da Horta.
Manuel (Simão) Alves nasceu no Faial, na freguesia das Angústias. Descendente de marinheiro, também ele abraçou a atividade marítima. Foi meu vizinho durante alguns anos e tinha-mos um bom relacionamento de amizade entre famílias.
Mestre Simão, chefe de família exemplar, era pai de sete filhos mas tinha uma vida económica familiar difícil. Como tantos outros, e pensando num futuro melhor para os seus, acabou por emigrar em Julho de 1966, para New Bedford, nos Estados Unidos da América, ao abrigo das facilidades concedidas aos Faialenses, após a atividade vulcânica dos Capelinhos.
Através de pessoa amiga soube que faleceu em New Bedford a 29 de dezembro de 1985.
Na sua campa foi colocada a silhueta da lancha Espalamaca e por baixo a palavra Alves. Escusado será dizer que quem por ali passar fica pouco esclarecido ao ver a imagem de uma embarcação e o nome Alves. Até aqueles que o conheceram por Mestre Simão, podem não relacionar aquele nome com ele. Fiquei com bastante pesar, embora respeitando a intensão da iniciativa.
Nunca fui com a modalidade de os portugueses, quando chegam aos países de emigração, serem muitas vezes tratados apenas pelo apelido e outros alterarem mesmo, o nome próprio, em especial nos Estados Unidos da América e Canadá, isto até onde vai o meu conhecimento. Conheço exemplos como José mudar para Joe e Pereira para Perry.
Quando contactamos com alguns desses emigrantes nas redes sociais, até que se identifiquem completamente, não sabemos com quem estamos a falar.
Depois aparecem por aí alguns descendentes à procura das suas raízes, falam mal o português ou não sabem uma palavra e os nomes dos familiares que querem encontrar parecem hieróglifos. Já me apareceram alguns desta forma.
Não sei quem foram as pessoas ou pessoa ligada à Atlânticoline que teve a iniciativa de propor o nome de Mestre Simão a um dos novos navios que vão navegar no Grupo Central dos Açores. Pela minha parte fiquei bastante agradado pela justa e merecida homenagem que lhe é prestada, perpetuando assim a sua memória!
Vila de São Roque do Pico

Setembro de 2013
NOTA: Mestre Simão Chamava-se Manuel Alves, segundo como consta da cédula marítima. Esteve matriculado na Lancha Espalamaca desde 18 de Outubro de 1959, até 1966. Era filho de Simão Alves, cabo de mar, no Porto da Horta falecido em 12 de Novembro de 1962. Já reformado.
O Município da Horta, prestou-lhe homenagem, pondo o seu nome a uma rua das Angústias: Manuel Alves (Mestre Simão). Rua Manuel Alves (Mestre Simão)-Santa Bárbara, Angústias 9900-164 Horta.
Era também muito conhecido por Manuel Simão, entre os vizinhos e amigos. Simão era herança do Pai, como era vulgar antigamente: Nestas duas ilhas, Faial/Pico de onde tenho mais conhecimento era uso os jovens usarem o primeiro nome, ligado a um dos ascendentes mais conhecidos, na freguesia. Exemplos: Fernando do José da Luísa, o José era o Pai e a Luísa era a avó. Manuel do Júlio, Júlio era o pai. José Rufino, Rufino era o Pai Rosairinha era o nome da avó etc…

 Francisco Medeiros
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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Arqueólogos revelam segredos das pirâmides da ilha do Pico

Matéria da Expresso

Os resultados das primeiras sondagens arqueológicas das estruturas que terão sido construídas antes da chegada dos portugueses aos Açores são apresentados hoje.

Uma das 140 pirâmides estudadas pelos arqueólogos na Madalena do Pico. Foram todas construídas em pedras basálticas de origem vulcânica conhecidas por biscoitos. Algumas chegam a ter 13 metros de altura (o equivalente a um prédio de habitação de quatro andares) e câmaras no seu interior.


Anzóis, pontas de metal, ossos, conchas, pesos de redes de pesca, utensílios feitos de basalto, carvões e fragmentos de peças de cerâmica, foram descobertos nas primeiras sondagens arqueológicas autorizadas pelo Governo Regional dos Açores (Direção Regional da Cultura) às misteriosas estruturas piramidais da Ilha do Pico.

As pirâmides estão quase todas concentradas numa área de 6 km2 no concelho da Madalena, junto à costa oeste da ilha dominada pela montanha mais alta de Portugal (2351 metros) e a divulgação pública das descobertas é feita dia 27 às 21h00 numa conferência na Câmara da Madalena.  



As sondagens foram feitas por Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, que estão entusiasmados com os depósitos de artefactos antigos que encontraram, e que tudo indica serem muito anteriores à data da descoberta dos Açores pelos portugueses (1427).

Mas os dois arqueólogos da Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA), que estão a ser apoiados pela Câmara Municipal da Madalena, têm um vasto trabalho de prospeção pela frente: há dezenas de pirâmides no local, que chegam a atingir 13 metros de altura, o equivalente a um prédio de habitação de quatro andares. Mas para já estudaram 140, algumas destruídas ou parcialmente derrubadas por sismos ou pela ação humana.
A tradição baseada na memória popular e os poucos estudos etnográficos existentes indicam que "estas estruturas, conhecidas por maroiços, datam dos séculos XVII a XIX, justificando-se a sua construção pela necessidade da limpeza dos solos para a agricultura", explica Nuno Ribeiro. De facto, a palavra maroiço significa monte de pedras associado à limpeza de terrenos agrícolas.


Estruturas semelhantes no Mediterrâneo

Mas esta explicação não convence o presidente da APIA, porque "existem várias edificações com mais de dez metros de altura, seguindo a mesma orientação geográfica". E porque no território português "não encontramos esta opção arquitetónica em mais nenhum local". Em contrapartida, "há paralelos arquitetónicos com regiões do Mediterrâneo - na ilha da Sicília junto ao Monte Etna, por exemplo".
Anabela Joaquinito conta que quando foram mostradas à população da Madalena fotos das construções da Sicília, "disseram que eram iguais aos maroiços". A arqueóloga que estudou a indústria lítica (tecnologia de trabalho da pedra) e é diretora do Departamento de Pré-história da APIA, sublinha que há outros indícios arquitetónicos da origem pré-portuguesa das pirâmides do Pico, como "a existência de degraus e a decoração com pináculos no topo". No topo de uma das construções estudadas foi também encontrado um piso circular que parece ser a base de uma habitação.
Uma das estruturas é um complexo arquitetónico que inclui edifícios piramidais organizados de forma a criar uma grande praça. "Esta organização do espaço não pode ser explicada apenas através da limpeza dos terrenos, pois terá envolvido um grande planeamento e um trabalho coletivo que demorou alguns anos a construir, seguindo sempre o mesmo projeto arquitetónico", argumenta Nuno Ribeiro.
"Mais espantoso é o facto de estas estruturas obedecerem às mesmas orientações das outras pirâmides, com aparentes motivações astronómicas e sugerindo rituais funerários", acrescenta o arqueólogo.  


Sinto-me no México

"Sinto-me no México", garantiu Romeo Hristov, arqueólogo da Universidade do Texas em Austin (EUA), quando visitou os maroiços do Pico em abril passado. Hristov pertence à corrente académica que defende a existência de contactos regulares entre as antigas civilizações do Mediterrâneo e da América.
"As estruturas do Pico são muito perfeitas, implicam uma enorme quantidade de trabalho que não se justifica apenas pelas necessidades da atividade agrícola", considera o arqueólogo. Por outro lado, "há uma orientação astronómica rigorosa, rampas de acesso e escadas associadas ao conceito de estrutura sagrada".
E no complexo "que liga vários edifícios piramidais encontram-se elementos comuns a pirâmides em todo o mundo, como uma praça ampla para cerimónias". Mas uma conclusão definitiva sobre a origem das estruturas "vai depender das escavações arqueológicas, que são fundamentais".
E também "das datações dos materiais encontrados que forem feitas em laboratório", esclarece Anabela Joaquinito. A arqueóloga explica ainda que algumas destas pirâmides têm câmaras no seu interior e uma delas foi objeto de sondagens arqueológicas. "A câmara é pequena e o corredor de acesso demasiado estreito e longo, não seria prática para quaisquer usos agrícolas".


Regularidade na orientação das pirâmides

"O que mais me impressionou foi a regularidade da orientação das pirâmides do Pico, embora acredite que nem todas foram construídas na mesma época. Esta regularidade é evidente no mapa com a sua localização feito pela Câmara da Madalena", afirma por sua vez Fernando Pimenta.
O diretor do Departamento de Arqueoastronomia da APIA usou ferramentas de informação geográfica nesta primeira investigação e concluiu que a maioria das pirâmides está orientada no sentido sudeste/noroeste.
Sudeste é a direção do vulcão da ilha do Pico e noroeste corresponde ao ocaso do sol no solstício de verão, que acontece sobre a ilha do Faial, muito próxima do Pico. Quanto às restantes pirâmides, têm uma orientação perpendicular às primeiras.
Fernando Pimenta admite que "parece ser intencional - e não apenas uma coincidência - a orientação geográfica das construções e a escolha do local para a sua implantação".
Uma concentração tão grande de pirâmides num intervalo tão pequeno de azimutes (o azimute é a medida regular do horizonte contada a partir do norte geográfico) e com esta regularidade, significa que há intencionalidade, "mas claro que esta conclusão não é tão definitiva, do ponto de vista estatístico, como seria se as estruturas estivessem espalhadas por toda a ilha e não apenas concentradas numa pequena área do concelho da Madalena".
O arqueoastrónomo adianta também que as regras de orientação "parecem obedecer a princípios que incorporavam algum ritual relacionado com o solstício de verão".


Defesa da verdade histórica

Entretanto, o presidente da Câmara da Madalena salienta que "o envolvimento do município neste processo é norteado pelo forte empenho na defesa da verdade histórica e na necessidade de conhecer e preservar as raízes do nosso povo", o que "é do interesse de todas as instituições, sejam elas científicas, políticas ou outras, incluindo o Governo Regional dos Açores".
Mas a prova definitiva da origem pré-portuguesa das pirâmides "terá de ser obtida através de uma datação clara e inequívoca dos materiais encontrados", insiste José António Soares, reconhecendo que a comprovação de todos estes achados permitirá novas oportunidades de desenvolvimento turístico.
"Não queremos apagar a história açoriana mas sim acrescentar algo à história já conhecida e, se possível, enriquecê-la com os novos dados disponíveis", acrescenta o autarca.


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