Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

NAUFRÁGIO DA BARCA CAROLINE EM 1901

Autor: Francisco Medeiros
O Jornal Ilha Maior de 15 de Outubro do corrente ano, notícia o avistamento de destroços da barca “Caroline”, no sítio da Meia Broa, nos baixios entre a Ponta do Areeiro e a pedra do comprido próximo da Ponta da Areia Larga, na Ilha do Pico Arquipélago doa Açores.

Esta notícia recordou-me uma conversa que tive com Amílcar Quaresma (1) já há alguns anos. Disse-lhe na altura que tinha na minha posse uma pequena tigela, em porcelana, que meu avô tinha recolhido da barca Caroline.

Ele pediu-me que lhe arranjasse uma foto da mesma, pois era sua vontade fotografar e recolher todos os salvados que existissem, para fazer parte de um hipotético museu ligado às coisas do mar - Museu do Mar, a instalar no Concelho da Madalena. A ideia foi-se com ele…?

Uma outra peça que julgo de algum valor e que encontrei na casa onde viveu meu Avô e mais tarde meu tio Alberto, foi uma tela onde estava desenhada a barca Caroline. Não sei como lhe foi parar às mãos, devia estar na camarinha do Capitão da barca e assim sendo, é possível que lhe tivesse sido oferecida pelo socorro aos sobreviventes. Na altura meu avô apreciaria mais uns cabos para o barco de que uma tela!


Foto histórica da Caroline encalhada na Meia Broa
 Meu avô, os irmãos e os primos, conhecidos pelos Chatinhas da Areia Larga, foram daqueles que, entre outros, com as suas embarcações ajudaram a salvar os 36 tripulantes da barca Carolina, naquela fatídica noite de 3 de Setembro de 1901.

Este naufrágio deu origem a que se iniciasse a construção do Farolim da Areia Larga, que entrou em funcionamento em 1905. Durante 74 longos anos aquele farolim manteve-se aceso, acabando por ser desactivado apenas em 1979, após a construção do farolim da cabeça do molhe de abrigo ao Porto da Madalena. Dado o actual estado de conservação, é uma boa altura para se pensar em preservar, pelo menos a base daquele farolim, que está associado e é um marco histórico daquele naufrágio.


Há dois anos, por ocasião das Festas Maiores do Concelho da Madalena, vi uma exposição de fotografias antigas de homens e barcos, relacionadas com a actividade marítima no canal e de toda a fronteira. Pudemos constatar o grande interesse que a mesma suscitou entre os visitantes.

Será que poderíamos ter uma sala com uma exposição fotográfica permanente como aquela, mas complementada com palamenta dos barcos e das lanchas do Pico, da pesca Industrial e artesanal e de todos aqueles que por esses mares dentro procuraram o seu sustento? E porque não um espaço onde se projectasse toda essa actividade em movimento? Será que ainda vamos a tempo?

O turista que vem de avião pela capital do distrito, quando nos visitam para conhecer a Ilha, dariam um pequeno passeio ao centro da Vila da Madalena, para desentorpecer as pernas da viagem do canal e, em poucos minutos, pela imagem podiam ver e fazer uma ideia do que foi a vivência dos que nos antecederam e a sua forma de ser.


Tigela da Barca Caroline

O Museu das Flores conseguiu recolher muitas peças do navio de passageiros “Slavonia”, que encalhou na baixa rasa da costa do Lajedo, com 597 pessoas a bordo, 225 tripulante e 372 passageiros, às primeiras horas do dia 10 de Junho de 1909. A torre do farol das Lajes das Flores, já construído, que dominaria aquela zona, na altura ainda não tinha montada a lanterna para entrar em funcionamento. Esta lanterna só chegou aos Açores uma semana depois do naufrágio, trazida pelo então capitão-de-mar-guerra Schult Xavier, nome que, mais tarde, foi dado ao navio de balizagem ao serviço de faróis.

O Naufrágio da barca Caroline deveu-se a erro de aproximação, julgando o Capitão estar a aproximar-se da Ilha do Faial, cujo farol da Ponta dos Capelinhos, em construção, só viria a estar activo em 1 de Agosto de 1903. No tempo, o partido da oposição ao governo atribuía aquele desastre ao desleixo no atraso da colocação da lanterna no farol. A instalação de faróis e farolins no Arquipélago do Açores não acompanhou a evolução e o aumento de navios de pesca, de carga e de passageiros, nas rotas dos Açores e entre o Ocidente e o Oriente.

A crise económica e de governabilidade, até à Republica em 1910, terá concorrido para esse atraso. Há um século como hoje!

Amílcar Quaresma deixou uma obra que hoje é uma preciosidade para consulta obrigatória para quantos continuam a gostar de saber das coisas do mar e da memória da nossa cultura. Cultura de um povo que se fixou numa zona difícil de sobreviver, que construiu os maiores monumentos da Ilha, os maroiços, para arrotear pequenas belgas onde pudesse colher o mínimo indispensável à sua sobrevivência. Gente que tinha no mar e no canal a sua Terra.
(1) Amílcar Quaresma –Filho de João Quaresma que foi gerente das Lanchas do Pico.
Francisco Medeiros

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O PICO CHEIO DE GENTE POR TODOS OS LADOS Verão de 2010


Autor:Francisco Medeiros
Com as festas de Verão o Pico enche-se de gente por todos os lados. Eles vêm dos quatro cantos do mundo, para rever parentes e amigos, trazendo consigo as malas cheias de saudades.
Muitos vêm pagar promessas, sabe Deus em que circunstâncias foram prometidas, a Santa Maria Madalena, ao Bom Jesus e à Senhora de Lurdes. Muitos dos que emigraram, especialmente os que com numerosa prole e agregados familiares mais numerosos conseguiram dar aos filhos uma melhor forma de vida mas foram enraizando, o tempo passando e a sua origem foi-se esfumando e nunca mais voltaram. Houve mesmo muitos que perderam a sua identidade. O Canadá e os Estados Unidos estão tão evoluídos que as pessoas quando lá chegam mudam de nome, tornam-se desconhecidos, adquirem nomes que não nos dizem nada.
Tenho tido contactos com alguns que já não têm parentes próximos por cá e a sua descendência já vai na terceira geração. Por isso, já não vêm porque os laços que os unem por lá são difíceis de cobrar. Se fosse ali ao lado, ou na ilha em frente, é possível que os visse-mos por cá mais amiúde.
Depois, há os fretes caríssimos, as arrelias de voos atrasados e um sem número de dificuldades e a falta de informação.
Há os de outros mundos, que vêm por aí abaixo, pela curiosidade, de variar os itinerários de férias, depois de um ano de trabalho afogado, nas grandes cidades, pela poluição, que teima em aumentar e sufocar aqueles que teimosamente tentam resistir. E, coisa curiosa, grande parte deles, talvez centenas, aproveitam os barcos de ver baleias e golfinhos e vão para o meio do mar em volta destas ilhas, onde as águas límpidas e a poluição não existe mesmo, como que a fugir duma chaga que já não retorna.
Não só o Pico mas todas as Ilhas do Arquipélago, há períodos, em que se sentem as quatro estações num só dia. É uma característica muito peculiar nestas Ilhas, cujos fenómenos climatéricos vêm sempre de Oeste para Leste com uma precisão quase matemática e isto durante o Inverno porque no Verão, embora a montanha se cubra de nuvens, ou com os seus característicos chapéus, nunca vem o que mostra.
No Inverno sim! O Pico o que nos mostra vem de certeza e a Nuvem da Prainha não engana ninguém.
Mesmo assim, no Outono e Inverno nos últimos anos, têm vindo ao Pico muitas excursões, dos estrangeiros e do continente Português, de grupos etários mais avançados, que por aqui vêm e têm tido a sorte de apanhar quadras de bom tempo e podem apreciar as Ilhas e a Montanha.
Vila de S. Roque do Pico
Agosto de 2010

CLUBE NAVAL DE S. ROQUE DO PICO RECORDANDO A REGATA DO CANAL

Autor: Francisco Medeiros
Há 20 anos, 19 entusiastas pelos desportos náuticos, fundaram o que é hoje o Clube Naval de São Roque do Pico.
Em boa hora o fizeram pois o Norte do Pico, sempre foi uma terra, ao longo dos séculos, povoada por homens, com um pé em terra e outro no mar, como disse o Poeta, Almeida Firmino.
Com muito trabalho, conseguem recuperar e aparelhar dois botes baleeiros, ajudados por antigos baleeiros e depois de alguns treinos estavam prontos para iniciar as suas actividades nos desportos náuticos.
Estava-se a comemorar os 450 anos de elevação da freguesia de São Roque a Vila, e aquela regata do Canal, Cais/Velas, Cais, organizada pelo Clube Naval de São Roque foi o maior acontecimento náutico desportivo das comemorações.
Pleno Verão, mês de Junho, dias 20 e 21, realizava-se a primeira e mais extensa regata de botes baleeiros, no canal que nos separa, e nos une, entre a Ilha Montanha e a Ilha Dragão que lhe fica em frente.
Foi um acontecimento inedito nestas duas Ilhas, que despertou a atenção e curiosidade nas freguesias com tradições baleiras, concentrando nas duas Vilas, centenas de pessoas para assistir ao belo espectáculo lhes proprocionaram as canoas baleeiras de velas enfunadas, não fossem elas as mais belas embarcações que há no mundo, como disse Raul Brandão.
Naquela regata tomaram parte, 9 botes baleeiros: Dois do Cais do Pico, dois da Calheta do Nesquim, um da Horta, três das lajes dos Pico e um das Ribeiras. Estes botes estavam equipados com antigos baleeiros e alguns jovens que estavam a dar os primeiros passos, no manejo e conhecimento da palamenta de um bote baleeiro.
De referir que tanto no Cais do Pico, como nas Velas, com as companhas do botes, misturaram-se antigos baleeiros, que de lagrimas nos olhos, recordaram com saudade alguns episódiso passados numa actividade que durante mais de um século, acompanhou o labor das populações ribeirinhas das nossas Ilhas.
Foi imprecionante a convivencia e o civismo entre os homens do mar, naqueles 2 dias, com as tripulações das canoas baleeiras, das lanchas de apoio e da tripulação da corveta Baptista de Andrade que apoiou toda a regata quer na ida quer no regresso ao Cais do Pico.
O Clube naval de São Roque do Pico, possui actualmente 4 botes e duas lanchas, que ao longo destes 20 anos foram recuperados, por construtores desta Ilha que ainda os há, e não perderam a mão nem o gosto.
O Clube Naval de São Roque do Pico, tem desenvolvido diversas actividades náuticas, mentem uma escola de Vela e Kaiak’s, e tomado parte em regatas entre clubes no Arquipélago, e além fronteiras. Em 1998 e 1999, fez-se representar em Lisboa na Expo e no Festival dos Oceanos, em Lisboa. Internacionalmente, tomou parte na Regata de botes baleeiros em New Bedford em 2005, e fez uma deslocação à Suécia.
Hoje há perto de 3 dezenas de botes baleeiros, em regatas organizadas pelos Clubes Navais e Clubes Náuticos, que foram sendo criados em localidades com tradições baleeiras, propositadamente para recuperar e reconstruir alguns botes que estão a ser usados pelos jovens, muitos deles filhos ou descendentes de baleeiros.
Em boa hora o fizeram, para dar continuidade à existência da embarcação mais emblemática dastas ilhas
Vila de S. Roque do Pico
Dezembro 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

PADRE MANUEL AUGUSTO DA SILVA

Autor: Francisco Medeiros.
O Padre Manuel Augusto da Silva nasceu na freguesia e concelho de São Roque do Pico, em 9 de Outubro de 1875, era o único varão de cinco filhos de Maria Madalena e Manuel Garcia da Silva, agricultores residentes naquela freguesia.

No tempo as dificuldades de estudos na ilha do Pico levaram-no a casa de um tio que residia na freguesia da Feteira na ilha do Faial, onde frequentou o Liceu da Horta e concluiu o Curso Geral dos Liceus.

Ingressou no Seminário de Angra onde entrou para o curso de Teologia e foi ordenado sacerdote em 10 de Março de 1900, na Capela do Paço Episcopal, em Angra do Heroísmo.

A sua primeira colocação como sacerdote foi na Paróquia da freguesia da Fajã Grande na ilha das Flores, de onde em Julho de 1901 embarcou para os Estados Unidos.

Chegado ao novo mundo o Padre Manuel Augusto da Silva, foi acolhido em casa de emigrantes das comunidades portugueses da Nova Inglaterra.

Ali desenvolveu uma acção meritória como Missionário, numa altura, princípios do século XX, em que os emigrantes do Pico e do Faial começaram a chegar com mais frequência aos Estados Unidos. As dificuldades de adaptação e fixação eram tantas que o Padre Silva, servindo sempre com espírito de Missão, procurava minorar as suas dificuldades ajudando todos quantos dele necessitavam nos primeiros passos em terra estranha.

Desenvolveu acções de vária ordem especialmente no campo social e cultural.

Exerceu o seu múnus em Tauton, New Bedford e Fall River, ligado á fundação de três paróquias, uma das quais uma Igreja dedicada a N. Sra. de Lurdes e São João Baptista e em 1920, na instituição da primeira escola de língua Portuguesa.

O Padre Manuel Augusto da Silva faleceu nos Estados Unidos em 19 de Outubro de 1928.

Viveu pobre e morreu pobre, não teve casa paroquial própria, vivia do acolhimento generoso em casa de emigrantes.

Do seu testamento apenas consta o indispensável para o seu funeral, o qual foi uma das maiores manifestações prestadas a um sacerdote da religião católica.

A Paróquia de São Roque do Pico, não estando alheia ao valor deste seu conterrâneo, um dos mais ilustres filhos do concelho, prestou ao insigne sacerdote significativa homenagem, no dia 10 de Março em 2000, celebrando o primeiro centenário da sua ordenação sacerdotal, num acto com missa concelebrada na Igreja Matriz, presidido pelo Bispo resignatário de Macau D. Arquimino Costa, ladeado por vários sacerdotes da ilha, na presença de numerosos paroquianos, da Filarmónica União Artista e do presidente da Câmara.

O Padre Manuel Augusto da Silva era tio do Padre Isidoro da Silva Alves nascido em São Roque do Pico, que foi Missionário em Timor.

Era também padrinho de baptismo, que dele herdou o nome, Manuel Augusto, do engenheiro Manuel Augusto da Costa, Chefe dos Serviços de Obras Publicas da Ilha do Pico que residia na Vila da Madalena e também esteve presente ao acto.

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MEMÓRIAS E VIVÊNCIAS DA ILHA DO CORVO

Autor: Francisco Medeiros
Vista de longe a Ilha do Corvo parece uma grande baleia morta a flutuar sobre o mar. Os Navios da Empresa Insulana de Navegação que faziam regularmente escala naquela ilha ao aproximarem-se, avistavam por estibordo uma única e pequena luz a piscar, era o farol da Ponta Negra, sobranceiro ao Porto Novo, ao lado de dois moinhos de vento e próximo do portinho do boqueirão, onde desde o inicio do povoamento se processava quase todo o movimento de passageiros, carga e descarga de mercadorias. Mais distante e por bombordo avista-se o farol da Ponta do Albarnaz, o mais Ocidental de Portugal e da Europa, situada na freguesia de Ponta Delgada, na Ilha das Flores.
Na Ilha do Corvo sobressai o verde das pastagens e da vegetação, a costa é escarpada, sendo a parte mais baixa virada ao Sul, onde se situa o único núcleo populacional, que habita inúmeras habitações irregularmente implantadas. Parte das habitações, embora todas rebocadas interiormente, apresentava o exterior em pedra negra.
As ruas da Vila eram muito estreitas e irregulares, havendo zonas entre casas onde só era possível cruzarem-se duas pessoas. A rua da Matriz, a principal, destacava-se por ser a única com o piso de calhaus rolados trazidos da costa. Há 52 anos estava em construção um caminho, já com alguns quilómetros, para acesso às pastagens e ao Caldeirão. Um caminho que levou anos a concluir.
Os Corvinos viviam numa comunidade bastante solidária, de entreajuda, num respeito mútuo entre todos os seus habitantes.
Quase todas ou mesmo todas as famílias possuíam um rádio receptor alimentado a pilhas ou baterias. Neste caso as baterias eram carregadas por geradores eólicos (aerodínamos). Os Corvinos estavam bem informados de tudo o que se passava no exterior, através da rádio ou jornais e revistas que chegavam do exterior.
Os dias no Corvo eram passados sem sobressaltos, todos se conheciam e as relações eram óptimas. Para mim os dias eram passados ou na cavaqueira junto ao Império do Outeiro, onde se juntavam os mais idosos, nas mercearias ou então na pesca ou na leitura.
No arquivo da Câmara existia uma pequena biblioteca com livros fornecidos pela Junta Geral da Horta. Nos dois anos que lá estive, à excepção dos livros técnicos, todos os outros foram lidos por mim, grande parte à luz de petróleo, pois no tempo não havia electricidade.
Em 1957 até 1959, era possível, após o almoço, jogar-se um jogo de cartas ou de xadrez na Repartição de Finanças, que situava-se no largo do Outeiro, num edifício com uma só sala, com quatro secretárias. Uma para o chefe da repartição, outra para o tesoureiro, uma para um aspirante e outra para o fiscal de selo. Foi a primeira repartição do país com atendimento personalizado, não havia balcão de atendimento ao público. Passavam-se muitos dias sem que ali aparecesse qualquer contribuinte, a não ser a compra de algum selo ou papel selado de má memória.
Recordo-me que havia no Corvo um agricultor, já não me lembro o seu nome, que quando ia pagar a contribuição predial, queixava-se de que todos os anos aumentavam uns centavos. Certo dia o Professor Alfredo Lopes combinou com o Chefe de Finanças, Luís Moreira e o Tesoureiro, para que este lhe fizesse a cobrança por cerca de um terço do montante da contribuição. Dias depois lá compareceu o agricultor na repartição, com a importância que tinha pago no ano anterior. Nem o Tesoureiro, nem o chefe da Repartição de Finanças conseguiram convence-lo que a contribuição tinha baixado e não saiu da Repartição sem pagar o que estava estabelecido, com o respectivo recibo como garantia, não fosse o diabo tecê-las!
No meu primeiro ano no Corvo (1957), os jovens do sexo masculino festejavam o dia 25 de Abril com um cortejo bastante original. Ao que consta não era praticado em nenhuma outra Ilha dos Açores. Organizavam um cortejo composto por um carro de bois, em cima iam os que tinham casado naquele ano, os que iam casar puxavam o carro e os que estavam namorados iam à frente varrendo o caminho. O cortejo terminava no largo do Outeiro, onde estava uma coroa enfeitada com chifres, presa a um mastro de bandeira, que descia para coroar todos os que por ali passavam. Era um divertimento aceite por todos, se bem que alguns no dia não passavam pelo Outeiro.
Dias depois disseram-me que não me tinham convidado para ir no carro, com receio de eu não aceitar pois tinha chegado no mês anterior e casado naquele ano. Foi o último ano que se fez o cortejo, possivelmente por conselho dos mais idosos e para evitar futuras consequências menos convenientes.
Conheci no Corvo um trancador de baleias, José Inácio Rafael, que tinha uma particularidade muito estranha. Vomitava em terra antes de embarcar e no mar nunca vomitava. Quando lá estive era ele que tinha a concessão do transporte da mala do correio, de e para bordo dos navios que faziam escala regular no Corvo. O José Rafael, enquanto novo, esteve ligado a algumas peripécias, próprias dos lugares pequenos. Contou-me ele que certa tarde, quando regressava ao porto vindo da caça à baleia ao leme do bote à vela, com boa aragem e mar cavado do Sudoeste, já próximo do porto arribou o bote, este ficou no vão da vaga e quando esta rebentou alagou toda a companha ficando o bote ficou meio de água. Ficaram todos zangados com ele e como resposta o Rafael disse:
- Ó rapazes, isto não foi nada, se era como eu queria a gente tinha era revirado!
A Filarmónica do Corvo com cerca de 12 tocadores, a Lira Corvense, vivia com dificuldades financeiras. Para resolver esta situação foi resolvido ligá-la ao Núcleo Legionário que ao tempo existia no Corvo. Esta atitude mereceu a reprovação de uma parte de corvinos, entre eles o José Rafael. Este como retaliação um dia, pela noite, entrou na copeira do império do outeiro, abriu o armário onde estavam guardados os instrumentos, pegou num braçado em alguns e foi lança-los num buraco da Ponta Negra, junto à costa.
Passaram-se alguns dias sem se saber com os instrumentos tinha desaparecido.No tempo o Presidente da Câmara homem que conhecia bem e era respeitado pelos seus munícipes. Certo dia, chegado ao Outeiro onde se encontravam vários Corvinos entre os quais o José Rafael, disse que os instrumentos tinham que ser recuperados porque faziam muita falta. Fez uma pausa olhou para todos os presentes um a um e apontou o Rafael como sendo o autor da proeza.
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

PADRE ISIDORO DA SILVA ALVES

Autor: Francisco Medeiros
O Padre Missionário Isidoro da Silva Alves nasceu em São Roque do Pico, na Ilha do Pico, nos Açores, em 15 de Janeiro de 1924, era filho de filho de Mariana Augusta da Silva e de Manuel Isidoro Alves Garcia, família de agricultores. 

Criado em ambiente familiar cristão, Isidoro Alves era filho de gente humilde. Após o ensino primário dedica-se à agricultura, no amanho das terras como os seus antepassados mas, sonha como todos os jovens da sua idade, para ele o sonho era um dia vir a ser Sacerdote e Missionário. Um seu tio, Padre Manuel Augusto da Silva, também missionário na Nova Inglaterra terá tido influencia, nesta sua vocação.

Ingressou no seminário de Angra com a idade de 16 anos, não sem algumas dificuldades, pois o ingresso naquela instituição estava limitado a jovens com um máximo de 14 anos.

Os seus estudos decorrem com normalidade mas com dificuldades económicas, sempre que vinha ao Pico em férias, ocupava os seus tempos na agricultura, dando dias p’ra fora, nas vinhas e roças do mato, auferindo ao tempo sete escudos e meio.

O seu aproveitamento como estudante do seminário, chega ao conhecimento de um benfeitor, luso brasileiro, que conhecendo as dificuldades económicas familiares, se presta a concorrer com ajuda financeira, no prosseguimento dos seus estudos.

Confidenciou-me que quando seminarista, foi encontrado num caminho em S. Roque com um molho de pasto às costas, tendo alguém lhe dirigido estranha pergunta !

- Já deixaste o seminário ?

Ordenado padre na Sé de Angra em 1 de Junho de 1952, celebrou Missa Nova em 13 de Julho do mesmo ano na Matriz de São Roque.

Porque o seu espirito de missão o acompanhava sempre, entrou em contacto com o Bispo de Timor, D. Jaime Garcia Goulart, natural da Candelária desta Ilha, em férias no Cais do Pico, desses contactos renasceu o seu desejo de seguir para as missões em terras Timorenses.

Após várias diligencias junto da diocese chega ao Oriente na companhia do Bispo D. Jaime, em 1953 no dia de todos os Santos.

Colocado como  professor do Seminário Menor, em Dare onde esteve 6 anos, logo de inicio teve a preocupação de ver como funcionava toda a vida e sistema interno dos seminaristas, verificando a precariedade da sua alimentação que procurou melhorar. Conseguiu montar uma moagem vinda da Metrópole para moer e como complemento a construção de um forno.

Depois da frustração da primeira fornada, as restantes saldaram-se pelo sucesso tendo mesmo pela Páscoa cozido folares à moda do Pico, com que brindou as missões locais, elementos do Comando Militar, chegando mesmo à mesa do Governador.

Orientou o cultivo de uma granja anexa ao Seminário em proveito dos alunos que ali estudavam, enriquecendo a sua alimentação.

Em 1961 foi Vigário na Missão de Soibada, onde se manteve por algum tempo, tendo regressado a Dili como procurador e administração das missões e secretário particular do Bispo D. Jaime.

Dirigiu uma fábrica de cerâmica, promovendo mão de obra, dando trabalho a tantos necessitados. Com os lucros da vendas dos objectos fabricados foram subsidiadas a construção de três igrejas.

Sugere a D. Jaime para que a Diocese fosse dotada com uma tipografia de que foi seu superintendente.

A Diocese editava uma revista a SEARA, que teve como seu primeiro director o Pe. Ezequiel Enes Pascoal, também Açoreano. Esta Revista era enviada mensalmente por via Aérea para o Ministério do Ultramar em Lisboa.

Era a única tipografia privada da colónia, onde consegue desenvolver uma acção notável: O fabrico de todos os cadernos, escolares, para o seminário e as escolas orientadas pelas missões.

Posteriormente foi cooperador e superior da Missão de Aivaro e Ossu, respectivamente em 1967 e 1974 encontrando-se nesta última quando se deu a descolonização.

A sua tenacidade em crer sempre ajudar os outros, fizeram dele um verdadeiro Missionário polivalente em todas as suas actividades sempre com o espirito de bem servir para minorar as carências dos seus irmãos para que o seu futuro sócio económico fosse mais suave, toda esta acção chegou a merecer reparo de alguns colegas.

Deste facto e para não ferir a hierarquia a que pertencia e sempre respeitou, levou o Padre Isidoro, com toda a transparência com que sempre pautou a sua conduta, a aconselhar-se com o seu prelado que nele tinha depositado toda a confiança, obtendo como resposta:

- Quem anda fás poeira, a poeira incomoda, continua a andar !

É por atitudes destas que os católicos Timorenses que na altura rondavam cerca de 80%, da população de Timor-Leste mais de 400 mil corações, veneravam o seu Bispo, que com eles viveu mais de 30 anos: Que atendia pessoalmente à porta, ao telefone e conduzia ele próprio o seu carro, e dizia, com fina ironia mas, sem malícia, que era provavelmente em todo o muno o único que tinha por porteiro e condutor um Bispo.

Disse-me um Picaroto, em comissão militar em Timor, contemporâneo do Padre Isidoro, que se o conhecimento é cultura, então o “Padre Isidoro é um dos Padres mais cultos da nossa Ilha”.

A sua última missão foi em Ossu quando se deu a descolonização tendo deixado Timor em Agosto de 1975 após mais de 20 anos como Missionário e regressado à Ilha do Pico.

Nesta ilha o Padre Isidoro acumulou as paroquias da Piedade e Ribeirinha, de Santo Amaro e Prainha, duas paróquias em simultâneo. Nesta última freguesia, concorreu para restauro as colunas das naves da Igreja que se encontravam cobertas de cal, o restauro do Salão Paroquial e a construção de uma cozinha anexa.

Curiosamente em Timor o Padre Isidoro, teve como aluno do Seminário um jovem Timorense, filho de um catequista, que chegou à Presidência da mais jovem República do século XXI, Xanana Gusmão a quem alcunhou de, Ibum Mider que em tétum quer dizer, lábios doces, por ser muito comedido e meigo nas suas falas.

A obra Missionária do Padre Isidoro, teve sempre por base a promoção humana ensinando os nativos, a maneira de tirar o melhor partido dos seus recursos naturais, promovendo a sua formação profissional e cultural.

Em 2002, ano do seu falecimento os paroquianos de São Roque do Pico, prestaram significativa homenagem ao Padre Isidoro no aniversario de 50 anos de vida sacerdotal
email do autor Francisco Medeiros

diHITT - Notícias

segunda-feira, 10 de maio de 2010

JOSÉ CARDOSO PINHEIRO - Oficial baleeiro

Autor: Francisco Medeiros
Conheci o José Cardoso, ali no Bairro Mouzinho de Albuquerque na freguesia das Angústias da Ilha do Faial.

Foi uma figura que pela sua simpatia e respeito, no dia a dia, deixou marcas na memória mereceu, de todas as pessoas com quem contatava, no dia a dia, deixou marcas na memória das gentes da freguesia das Angustias.

Como jogador de futebol no Atlético onde brilhava a defesa central, foi uma referência, não só pelo amor à camisola como, apesar de ser um homem forte, era muito disciplinado dentro do campo.
Foi por sua influencia que fui pela primeira vez à baleia com 17 anos, era ele trancador de baleia. Na caça à baleia era um grande entusiasta recordo-me a primeira vez que arreei à baleia ali para fora dos Capelinhos - é quase sempre a primeira vez que nos fica na memória por se tratar de uma novidade - perseguíamos um cardume de 7 baleias, o José Cardoso com o desejo de se aproximar do cardume, dava indicações, aos remadores, puxando por eles chamando-lhes nomes de forma zangada mas dando o exemplo pelo esforço que despendia naquelas ocasiões.

Depois da baleia trancada, morta e amarrada pronta para ser rebocada, parecia uma criança com a satisfação estampada no rosto. elogiando o nosso trabalho. Fizemos outras arriadas, o José Cardoso era igual a si próprio, tudo o que fazia, era sempre com empenho, dedicação e espirito de equipa.

Recordo o José Cardoso, fazendo par com o Manuel Teixeira Semilhas este também jogador do Atlético, nas descargas de carvão a bordo dos cargueiros despejando aqueles grandes baldes cheios de carvão para os balelões amarrados à borda.

Era um homem de porte atlético. Recordo-me que ali em frente ao armazém de carvão da Fayal Cool, em frente ao canto da lado da Terra, havia um grande número de correntes gatas e ancoras destinadas à fixação das bóias de amarração de navios no interior do Porto da Horta. Á hora do almoço e quando estava bom tempo o José Cardoso, o mestre António Canequinha, o Carlos Eugênio e muitos outros entretinham-se a levantar a haste de uma das gatas, proeza que só o José Cardoso e o Canequinha o faziam com facilidade, apesar deste ser de pequena estatura, levantando-a até à cintura os outros, alguns, nem a suspendiam do chão. Certo dia o José Cardoso com a genica que se lhe conhecia levantou a gata quase até ao peito, ficando os outros de boca aberta. Outra dêle! Havia no Capelo um oficial baleeiro de nome Luisinho, de pequena estatura, mas um bom profissional, muito amigo do José Cardoso. Certo dia numa taberna das Angústias, ali ao lado da Igreja, o José Cardoso convida-o para tomar um copo, e quando lá chegaram o José Cardoso forte como era, pegou-o só com uma mão e sentou-o em cima do balcão.
Foi uma época que desapareceu, do nosso quotidiano, quase todos os marítimos viviam com um certo desafogo, enquanto durou a II Guerra e pouco mais. Depois foi a debandada provocada pelo Vulcão dos Capelinhos que mudou o Faial e mudaram-se as gentes. Foram-se os baleeiros e com eles todos os marítimos que davam uma certa vida ao Porto da Horta, resta-nos a recordação.

O José Cardoso, como não podia deixar de ser, foi também um dos que emigrou na década de sessenta até à Costa Leste dos Estados Unidos aonde viveu até ao ano de 2003.
diHITT - Notícias

domingo, 18 de abril de 2010

HISTÓRIA DOS BARCOS DO PICO I

O “TERRA ALTA “
                                                                                     Autor: Francisco Medeiros
Vista de cima do ramal que a liga à estrada Regional, a freguesia de Santo Amaro é linda.
Na ilha do Pico com o casario encosta abaixo, disperso entre o verde da vegetação, com a sua Igreja e o seu porto ao centro. Tendo como remate a ponta Leste da Baia do Canto da Areia e ao o fundo a Prainha.
Foi do porto de Santo Amaro que em 1947 saiu o “Terra Alta”, iniciando as suas viagens nos Grupos Central e Oriental dos Açores.
Natural desta terra, foi também o seu primeiro mestre, Manuel Joaquim Neves, já falecido com a proveta, idade de 91 anos, marinheiro experimentado e sabedor das coisas do mar, aliadas a uma delicadeza de trato, cumprimento do dever e de bem servir. Muito lhe devem estudantes, militares e populações por essas ilhas fora.
Muitas fora as vicissitudes por que passou, além das naturais provocadas pelo mar, com algumas viagens menos boas mas sempre superadas. Outras houve de ordem burocrática, por vezes com exagero e exorbitância de funções por agentes do Estado.
Há dias fui a Santo Amaro fazer-lhe uma visita, pois encontra-se adoentado. Recordando coisas passadas contou-me ele:
Que certo dia no Porto de Ponta Delgada e após proceder na Alfândega ao despacho do Terra Alta para sair com carga e passageiros, para as ilhas do Grupo Central, ao dirigir-se para o Cais de embarque, onde o barco estava atracado, verificou que os passageiros já se encontravam todos a bordo sem sua autorização e, sem presença do cabo de mar. Ao perguntar ao agente da Policia de Segurança e Defesa do Estado mais conhecida pela Pide, quem tinha autorizado o embarque dos passageiros mais cedo este respondeu-lhe que tinha sido ele, porque ia para um casamento.
O Cabo de Mar quando ali chegou aceitou as informações do mestre, considerando o embarque já consumado, dizendo ao mestre que podia sair mas, foi avisando que iria dar conhecimento da ocorrência ao Capitão do Porto.
Na viagem seguinte à sua chegada estava o mesmo cabo de mar, que lhe disse:
- Ó mestre, o senhor tem que estar às 10 horas na capitania !
- O que é que se passa ?
- Olhe eu fiz a participação e o senhor tem que ir falar com o Capitão do Porto.
Como ainda era cedo dirigiu-se à capitania para entregar as listas dos passageiros onde trabalhava o patrão mor, um tal tenente Santos. Quando lá chegou aquele disse-lhe:
-Ó Terra Alta! Prepara-te porque tens aqui um processo muito grande por causa do embarque dos passageiros sem a presença do agente da autoridade marítima.
O tal tenente Santos chamava-lhe Terra Alta. Durante muitos anos os mestres do Terra Alta usavam no boné uma fita bordada com o nome do barco.
Mestre Manuel Joaquim, perguntou-lhe o que é que ele achava que fizesse para solução da situação e, o patrão mor disse-lhe que ele procurasse alguém na Cidade que o desenrascasse.
Ele assim fez e, foi procurar um Senhor Carlos que era empregado da firma Domingos Dias Machado, a quem contou o que se passava e, este disse-lhe:
- Tu não tens um irmão que é padre ?
Tenho sim senhor !
- Olha eu tenho visto o Padre da Matriz a passear muito de automóvel com o Capitão do Porto.
Foi procurar o Padre da Matriz e quando lá chegou, o padre disse-lhe:
- Ó mestre tu por aqui, o que é que andas fazendo? Entra pra dentro, vamos tomar café. Tu estás nervoso! Quando é que sais?
Disse que na amanhã seguinte, mas que tinha uma participação na capitania, iam reter os documentos e o barco e contou-lhe tudo o que se tinha passado, ao que o padre lhe disse:
Olha, vais fazer tudo como se nada se tivesse passado !
Assim fez. Na viagem seguinte foi novamente chamado à Capitania e foi presente ao Capitão do Porto. Quando lá chegou este perguntou-lhe:
- Tu é que és o mestre do Terra Alta ?
Ele estava farto de o conhecer, pois já tinha sido Capitão do Porto da Horta (Cap.Ten. Newton da Fonseca)
- Vocês andam de mestres nesses barcos mas não sabem os seus direitos, nem conhecem a sua autoridade como mestres!
Disse-lhe que já sabia tudo o que se tinha passado.
- Amanhã vou contigo para a Terceira, e o que é que eu vou ser a bordo do barco? -
É o Capitão do Porto de Ponta Delgada !
- Sim é verdade e respeito essa tua consideração que agradeço, mas lá dentro quem manda és tu e eu sou apenas um passageiro .
Tudo isto se passou porque o mestre não exerceu sua autoridade participando do agente da Pide.
Como todos sabem quem participasse de um agente da Pide, só arranjava problemas, pois estes procuravam todos os meios para prejudicar, incluindo ser preso por atentar contra a segurança do Estado.
Ao tempo a Pide controlava o movimento nos iates e dos navios de passageiros. Não respeitavam ninguém exorbitando por vezes o exercício das suas funções, com prepotência.
Esta situação não era bem vista pela Autoridade Marítima e mestre Manuel Joaquim ficou sob fogo cruzado.
Acaso ou não, coincidência ou não foi a Marinha quem tomou conta do edifício onde se encontrava instalada a policia Pide, na rua António Maria Cardoso após a revolução do 25 de Abril.
Como curiosidade, um dos elementos da marinha que lá estavam, ao tempo sargento fuzileiro, - Luís Pinto Miranda, posteriormente assumiu o cargo de Delegado marítimo no Cais do Pico, reformando-se com o posto de Capitão de Fragata.

Email do autor: Francisco Medeiros

Email do Leitor: Noélia (Califôrnia)

Titulo: Adorei a sua história do Terra AltaEsta grande rede da internet que nos liga a todos!
Nasci nos Cedros Faial. Sou sobrinha do Padre Rodrigues e vivo na California.
Mais uma vez adoro as suas histórias do seu blog(sic). Obrigada por pôr os seus sentimentos em forma de todos partilharmos.
Noelia (Alvernaz Rodrigues)

Resposta do Autor:
É sempre bom saber que há alguém que nos lê !
Obrigado pela sua mensagem .
Não sei de onde é, mas julgo que conhece, quem foi mestre Manuel Joaquim Neves, que fazia o favor de ser meu amigo, e com quem profissionalmente contactava com muita frequência, ali na Delegação Marítima do Cais do Pico, onde eu trabalhava.
Um abraço!
Francisco Medeiros
diHITT - Notícias

O “PAPA DAS LAJES”

                                                              Artigo de 2003. Autor: Francisco Medeiros
O Padre Nunes da Rosa, teve a sua primeira paróquia na freguesia do Mosteiro na Ilha das Flores de onde veio transferido para a freguesia de seus pais, a freguesia das Bandeiras na Ilha do Pico onde foi pároco e ouvidor eclesiástico da Madalena.
Naquela freguesia fundou com tipografia própria, o jornal “SINOS D’ALDEIA”, no qual tinha uma coluna “Cartas dum Aldeão”, assinadas com o pseudónimo “João Lavrador”.
Numa dessas cartas dizia ele que nos finais do século XIX, vivia no lugar do Morros da freguesia das Lajes das Flores, um octogenário conhecido pelo “Papa das Lajes”, que alcançou nomeada na Ilha tanto pela sua vida mística, como e principalmente pelas suas profecias.
O velho vaticinava: quedas de ministérios, mudanças de governos, catástrofes, tempestades e outras, que assombravam pela sua realização.
Deram-lhe grande fama as profecias anunciadas em 1896, com a morte do Rei D. Carlos, o curto reinado de D. Manuel e a mudança de regimen em Portugal com a saída do país da Rainha D. Amélia acompanhada do seu filho D. Manuel II, que se refugiaram no Iate D. Amélia para o porto de Gibraltar e dali para Inglaterra. Anunciou ainda uma “Grande Guerra na Europa. A primeira grande guerra.
Todos estes vatícinios foram realizados.
Na sua carta o Padre Nunes da Rosa, dizia que nas Flores muitas pessoas conheciam estas profecias do “Papa das Lajes”.
Mas o que o velhote vaticinava era que a “América viria a acabar com a guerra, mas as nações iriam depois guerrear com a América aniquilando o seu poderio”. Terminava a carta dizendo: “Vejamos se se cumpre esta profecia do “Papa das Lajes”, que já há muito dorme o sono eterno”.
Pelo que se está a passar no mundo, onde o direito Internacional, e a justiça passou a ser dominada pelo mais forte, a fome e a miséria serem o sustento de escandalosas ostentações e manifestações de riqueza, vamos lentamente caminhando para a concretização dos vatícinios do “Papa das Lajes”.
Não tenhamos ilusões pois os primeiros passos foram dados, basta aguardar para ver-mos o que vai acontecer.
Muito irão sofrer as jovens gerações durante um período que se aproxima a passos largos, até que a ordem deixe de ser palavra vã e o homem deixe de ser lobo do próprio homem.
Email do autor: Francisco Medeiros
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sábado, 3 de abril de 2010

GENTE QUE FAZ A HISTÓRIA - Padre António Francisco Rodrigues


Autor: Francisco Medeiros
O Padre António Francisco Rodrigues foi Vigário Cooperador da Ouvidoria de São Roque na década de 60 do século passado.
Exercia o seu múnus de sacerdote na Igreja de São Pedro de Alcântara, anexa ao Convento Franciscano no Cais do Pico.
Homem simples de convivência sã, o Padre Rodrigues tinha sempre uma p
alavra de estímulo para todos quantos dele se abeiravam.
As suas práticas na missa, baseadas no conhecimento da vida do dia das pessoas, eram relacionadas com exemplo de vida dos santos, que prendiam a atenção de todos quantos assistiam aos actos de culto.
O Padre Rodrigues foi um grande dinamizador para a juventude do Cais do Pico, onde congregou um numeroso grupo de jovens que aproveitavam os tempos de lazer num movimento de Acção Católica
que funcionava na Casa dos Terceiros, anexa à igreja.
É destes jovens com quem contacto ainda hoje, a ele se referem e o recordam como um homem bom que os ajudou de alguma forma, e deixou um marco nas suas vivências sociais que os tem acompanhado pela vida fora.
Natural do lugar do Cascalho, da freguesia dos Cedros, Ilha do Faial, onde nasceu em 29 de Julho de 1909, era o mais velho de oito irmãos, filhos de Francisco Rodrigues e de Maria de São José Rodrigues. Frequentou a Escola Primária dos Cedros, tendo como professores, Manuel Dionísio, que foi diretor do Museu da Horta e Constantino Magno do Amaral que foi diretor da escola e dos Correio da Horta. Ingressou no Seminário de Angra com a idade de 18 anos e foi ordenado Presbít
ero a 20 de Junho de 1937. Um dos motivos que o levou ao seminário, deve-se ao fato da mãe ter falecido jovem, com 37 anos. Desde cedo ele, como irmão nais velho, tinha de cuidar dos irmãos. Cuidava da casa e aprendeu a fazer pão de milho no forno, tarefa que fazia, como um dos melhores padeiros. Na ilha Terceira foi Pároco na Vila Nova e trabalhou em Santa Barbara e no Pico foi Vigário Cooperador na Madalena, e no Faial, na freguesia da Feteira.
Por razões que desconhecemos, o Padre Rodrigues deixou a Diocese de Angra, embora no tempo se comentassem razões da sua saída do Pico.
Mais tarde soubemos ter emigrado para São Paulo no Brasil, tendo-se fixado na cidade de Piquerobi, Paróquia de São Miguel Arcanjo, criada no dia 8 do mês de Maio de 1945, data que marcou o término da II Guerra Mundial.
O Padre Rodrigues foi empossado por Dom José de Aquino, em 10 de Janeiro de 1965, como Vigário na Igreja Matriz da Paróquia de São Miguel Arcanjo e passou a residir na Casa Paroquial.
Ali continuou o seu múnus de Sacerdote tendo dado um grande impulso à comunidade, trabalhando especialmente com a juventude.
Tendo adoecido, foi internado na Santa Casa de São Paulo, onde veio a falecer em 5 de Maio de 1970. Foi sepultado em Piquerobi, por baixo da sacristia da Igreja Matriz da Paroquia de São Miguel Arcanjo .
Faltou um pouco de caridade a quem a praticou durante uma vida!?

Email do autor: Francisco Medeiros

Email do Leitor:
Esta grande rede da internet que nos liga todos!
Nasci nos Cedros Faial. Sou sobrinha do Padre Rodrigues e vivo na California.
Mais uma vez adoro as suas historias do seu blog. Obrigada por pôr os seus sentimentos em forma de todos partilharmos.
Noelia (Alvernaz Rodrigues)

Resposta do Autor:
É sempre bom saber que há alguém que nos lê !
Obrigado pela sua mensagem .
Não sei de onde é, mas julgo que conhece quem foi mestre Manuel Joaquim Neves, que fazia o favor de ser meu amigo, e com quem profissionalmente contactava com muita frequência, ali na Delegação marítima do Cais do Pico, onde eu trabalhava.
Um abraço
Francisco Medeiros



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terça-feira, 30 de março de 2010

Um emigrante do Pico

Autor: Francisco Medeiros
O Pico amanheceu descoberto, algumas nuvens dispersas, aqui e além, de vez em quando passam-lhe na frente, mas logo volta a aparecer na sua plenitude. E é lindo este Pico, com algumas manchas de tons verdes e pedra, realçadas pelo Sol, que vai subindo no horizonte para os lados do Topo em São Jorge, pondo no mar reflexos de , para além da cidade, avista-se nitidamente o casario disperso por entre tons verdes coroados pela sua Caldeira.
No canal, para os lados do Calhau, Areia Larga e Madalena, avistam-se as velas brancas dos Barcos do Pico, que se vão afastando da costa em, demanda do porto da Horta. Vão carregados de lenha, vinhos e frutas.
Um rasto de espuma branca vai formando uma esteira, no entre o Pico e o Faial, denuncia a primeira lancha dos Lourenços, a lancha da fruta, a caminho do Porto da Madalena.
Próximo da costa Norte do Pico, à saída do canal Pico/ S. Jorge, um grande navio, todo branco, navega para o Ocidente. Vai-se aproximado rapidamente da costa Norte do Faial, para os lados da do farol da Ribeirinha.
Estamos no mês de Julho, as labutas daqueles que trabalham a terra são muitas.
Tudo se conjuga para mais um dia de trabalho de Sol a Sol nas vinhas ou nas culturas. Os que tem vacas nas “criações” vem da ordenha de “canecas” às costas, cheias de leite, para alimentação ou fabrico do queijo caseiro. Para estes, o dia começou ainda antes do Sol nascer. Percorrem os caminhos dos matos riscados com os trilhos do carros de bois.
No cabeço de cima, o António, com uma “vimadeira” numa mão e uma luva de pele de porco na outra, vai mondando o silvado entre as pedras da vinha, o suor a escorrer-lhe por baixo do chapéu de palha. Levanta-se, limpa o suor que lhe tapa os olhos com um trapo, espécie de lenço, feito de uma camisa velha. O olhar espraia-se por toda esta paisagem, mas os seu olhos fixam-se exclusivamente naquele navio todo branco, que se vai perdendo no horizonte a caminho da América.
Levantara-se de madrugada. Sempre os mesmos trabalhos, repetitivos e divididos ao longo do ano, conforme a época das sementeiras e das colheitas, complementados com uns dias que dá p’ra fora em troca com os vizinhos.
De uma família com mais cinco irmãos, três rapazes e duas raparigas, todos ajudam nos trabalhos da lavoura, no amanho das terras, com excepção de um dos irmãos, que por deficiência de um pé, dedica-se à profissão de sapateiro.
O dinheiro que entra naquela casa é para satisfazer o mínimo das necessidades indispensáveis: É o boi que se exporta todos os anos, algum dia dado p’ra fora pago a dinheiro por algum agricultor mais abastado, o vinho e a lenha vendidos para o Faial aos fregueses apalavrados.
O António sonha com uma vida melhor. Aquele navio todo branco associa-o às conversas de quase todos os dias, que ouve na casa de ensaio da música, ou no botequim do José Nunes, onde à noite se desloca para saber de algumas novidade ou discutir as colheitas que se fazem, os preços do leite ou do gado, acompanhados de um jogo de “Sueca”.
É assim a rotina de quase todos os dias.
A América não lhe sai do pensamento, as histórias que ouve, as sacas de roupa que os vizinhos recebem, vindas da América, de parentes emigrados, alguns de “salto” nas Baleeiras. Todos os dias, estas histórias martelam-lhe a cabeça.
Há dias, ao falar com um vizinho, que também vai emigrar, ouviu falar sobre os navios da “Fabre Line”, que fazem escala na Ilha do Faial para Providence, de que é agente José Furtado Cardoso, este trata de todos os documentos, incluindo passagens em caminho-de-ferro para a Califórnia. Quase todos os dias comenta-se que um ou outro conhecido está a tratar de documentos para emigrar, com cartas de chamada de familiares. A América é o sonho de uma vida melhor, para muitos jovens da Ilha.
Um dia ao chegar a casa disse ao pai que queria emigrar, mas para isso teriam que pedir dinheiro emprestado, ou vender um dos bois que estavam no mato. Naquela noite ninguém dormiu naquela casa, só a pensar que o António os ia deixar por muitos anos. Foi como se tivesse morrido um familiar. A mãe andava de lagrimas nos olhos pelos cantos da casa, sem que ninguém a visse. Era um dos seus filhos que os ia deixar.
Nos dias seguintes começaram os preparativos, colher informações mais precisas sobre passagens e o recurso a um vizinho mais abastado para emprestar o dinheiro. Parecia que aquela casa tinha levado uma volta.
E chegou o dia, uma manhã de Primavera. Com uma mala de madeira, três mudas de roupa, calçado com umas botas novas feitas pelo irmão sapateiro, lá seguiu para o Faial no barco “Adamastor”, acompanha-o um vizinho, com quem já vinha falando há muito e que agora também partia. Embarcou nas vésperas das Festas do Espirito Santo, junto com outros dois rapazes do Pico, rumo à América.
O António à poupa do navio, à saída do Cais, olhava para o Pico, a freguesia e a Igreja de Santa Maria Madalena por entre os Ilhéus, invadido já pelas saudades, uma lágrima rebelde corria-lhe pela cara. Veio-lhe à memória todo o tempo passado na Ilha, revendo o passado, mas também a esperança de melhores dias para o futuro iam-lhe reconfortando a alma.
- Um dia, quando eu voltar, vou acompanhar Santa Maria Madalena na procissão, descalço, em todo o percurso.
- Se chegar a juntar algum dinheiro, vou lavar a Coroa do Senhor Espirito Santo e convidar para a minha mesa todos os pobres nossos vizinhos e amigos.
À medida que o navio se afastava, a Ilha ia-se tornando mais pequena, por momentos pensou que se estivesse no Pico já não embarcava, mas a decisão estava tomada e o navio já não voltava p’ra trás.
Já noite alta, deixou de avistar o farol dos Capelinhos na Ilha do Faial. Foi à procura do camarote, que o acolheu até à sua chegada a terras da América.
Email do autor: Francisco Medeiros

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