Crônicas, contos e narrativas do passado, de gente que vive na ilha do Pico, ou estão espalhadas pelo mundo e tem muitas estórias para contar. Mande seu conto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O TRIANGULO CAIS DO PICO. VELAS . CALHETA E OS ANOS DE FOME


Autor: Francisco Medeiros
Foram muitas as calamidades, provocadas por vulcões, terremotos, inundações, enchentes e tempestades que assolavam tudo, destruindo habitações, culturas agrícolas e obrigaram muitas famílias a abandonarem a ilha.
Os chamados anos da fome, que atingiram ao longo dos anos muitas ilhas do Arquipélago, até às primeiras décadas do século passado, obrigaram as populações, a imigrar para a ilha mais próxima e de fácil acesso. Há mesmo noticia de ter havido quem morresse à fome.
Este recurso nem sempre foi possível atende
r as necessidades das ilhas vizinhas quando sofriam das mesmas calamidades.
Sucede, que das Ilhas do triângulo, foi a Ilha do Pico, especialmente a fronteira, que mais sofreu, com a carência de milho
por causa da natureza dos seus terrenos de origem vulcânica, mais próprios para plantação de vinha. Os Picarotos negociavam na Ilha do Faial, a compra de milho em maçaroca, nos próprios terrenos de produção. Procedia-se à sua apanha e posteriormente era transportado nos barcos do Pico . Quando o milho chegava ao Pico era muitas vezes descarregado junto à casa dos seus proprietários e todos os vizinhos ajudavam nas desfolhadas, pela noite dentro, iluminados com luzes de incandescência a petróleo. Outros compravam-no, já em grão e muitos outros, especialmente os pescadores, percorriam a Ilha do Faial a pé, em toda a volta, com peixe seco, que trocavam por milho. Uma das últimas calamidades ocorreu com o ciclone tropical, que atingiu o Grupo Central dos Açores, em 24 de Agosto de 1857, provocando a destruição total dos milharais, então a principal produção alimentar das ilhas de São Jorge e Faial, que resultou na penúria generalizada, às três Ilhas do Triângulo.
Esta penúria manifestada pela fome, com as suas cores negras, manteve-se pelos maus anos agrícolas seguintes, com uma crise alimentar que predominou até final do ano de 1859. Foi preciso recorrer a subscrições públicas, incluindo uma nos EUA, organizada pela família Dabney, residente na Ilha do Faial, para evitar que se
morresse à fome.
Estes acontecimentos calamitosos, fizerem com que o Príncipe D. Luís visitasse a Ilha do Faial no Outono de 1858.

Os Dabney foram uma ajuda muito importante, durante ao anos que permaneceram no Faial de 1808 a 1892, suprindo muitas carências de milho e trigo que importavam directamente dos EUA.
A mais recente época de fome conhecida no Pico, data dos anos vinte, do século passado, em que um grupo de picarotos sob a iniciativa de Manuel Inácio Nunes, construtor naval na Califórnia, natural da freguesia de Santo Amaro, recolheram fundos e enviaram para esta Ilha em 1923, cerca de uma centena de sacos de milho, que foram distribuídos pelos mais pobres das freguesias da banda do norte do Pico.
Toda estas crises de trigo e milho, principal alimento das populações, originaram, proibição de saída daquele cereal de algumas ilhas para outras. As Câmaras de Velas e Calheta lançaram anúncios públicos, para que ninguém embarcasse para fora do concelho, sem licença, milho e trigo.
Tal proibição originou a troca de correspondência entre as Câmaras Velas e São Roque, na qual esta
se queixava, das Velas, não deixar sair cereais para este concelho, visto existirem naquele Ilha, grãos em abundância. Numa carta datada de 21 de Abril de 1678, a Câmara de S. Roque, queixava-se dizendo que: "até ao presente data, do que havia na Ilha do Pico, não se fazia nenhum impedimento de saída para aquela ilha (São Jorge) de tudo o que produzia, e que o que daquela importava era devidamente pago". A Câmara de Velas, desculpando-se, em carta dizia que pretendia “controlar a saída qualquer cereal em virtude dos mesmos não serem muito abundantes, pois poderiam fazer falta, e não ser justo a saída os mantimentos". Acrescentando: - “Estejam Vossas Mercês certos que, como bons vizinhos, não faltaremos em o que a justiça der lugar.”
Esta proibição de c
irculação de mercadorias entre as Ilhas do Arquipélago manteve-se por muitos anos.
Só os Barcos do Pico dos portos da fronteira, Calhau, Madalena e Areia Larga estavam isentos de guia de circulação de mercadorias.
Esta imposições originaram um intercâmbio de mercadorias entre portos e portinhos, onde não existiam postos fiscais ao longo da costa Norte do Pico e os da Ilha de São Jorge, sendo as mercadorias transportadas em embarcações de pesca, ao tempo, só à vela ou a remos e durante a noite, quando o tempo lhes dava segurança.
Outra situação que se verificou ao longo dos anos e segundo versão de antigos pescadores, pelo po
rtinho da Furna da Freguesia de Santo António e outros desta banda do Norte do Pico, teriam saído, centenas barris de aguardente, para aquela Ilha.
A proibição da circulação de aguardente, acabou nos anos setenta, com a abolição dos monopólios da venda de álcool.
A circulação de todas as mercadorias em barcos de cabotagem, entre estas duas Ilhas São Jorge e Pico, e bem assim em toda a Região, durante muitos anos estiveram sujeitas a despacho de cabotagem, exigência que só terminou em 1970.
No Cais do Pico, ha
via barcos de boca aberta a motor e à vela que faziam cabotagem quando havia mercadorias ou passageiros a transportar a partir Cais do Pico, para os porto da Horta e os portos da costa de São Jorge, onde era possível acostar, transportando mercadorias e alguns passageiros. Faziam triângulo Cais, Calheta, Velas e alguns portinhos intermédios.
Voltando à proibição da saída de cereais de São Jorge para o Pico, certo dia ao chegar ao porto da Calheta, o mestre de um dos barcos, foi abordado por um sujeito que pretendia embarcar para o Pico, 4 sacas com milho. Naquele tempo era livre a saída de milho do Pico.
O mestre disse-lhe qu
e sim mas, que tivesse o cuidado de colocar os sacos sobre o cais, com rotulo destinado às Velas mas, sem o guarda fiscal ver, que depois tratava do resto.
Como era uso, o mestre lá foi ao posto fiscal desembaraçar o barco e, como era de praxe, o Guarda Fiscal acompanhava o mestre até ao Cais.
Ao chegar ali e vendo os sacos sobre o cais, disse em voz alta para os tripulantes:
- Quem é que mandou descarregar estas sacas ?.
Um dos tripulantes conhecendo bem o seu mestre, já sabia do que se passava, respondeu-lhe:
- Home, a gente parecia-se qu`eram p’rà qui !
- Não viram que o rotulo diz qu’é p’ràs Velas ?
- Metam já isso ai p’ra dentro !.
E os sacos lá embarcaram com o Guarda Fiscal a assistir !
E lá vieram para o Pico .
Junho 2009


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